O InfoQ Brasil enviou uma série de perguntas sobre o estado do Agile, para especialistas em várias áreas, de coaches renomados de técnicas ágeis a desenvolvedores experientes envolvidos profundamente com Scrum e XP, a líderes técnicos que acompanharam toda a migração de técnicas waterfall a métodos ágeis. Nesta primeira parte do Painel Virtual, o tema é o sucesso do Scrum.
Por que, na sua opinião, o Scrum vem dominando a atenção da comunidade ágil? O que considera que o Scrum "fez certo" que outras técnicas não fizeram?
O Scrum evitou dar respostas e focou muito mais nas pessoas do que a outras técnicas ágeis. Isso ajudou o Scrum a ser uma referência no mercado.
Ao meu ver, os seguintes fatores contribuem para que o Scrum seja predominante:
- Um pacote pronto de práticas: Diferentemente do XP e de outros métodos ágeis, o Scrum traz um pacote fechado, de três personagens, seis reuniões e alguns poucos artefatos;
- Adaptabilidade: Segundo o próprio Ken Schwaber, co-criador do Scrum, qualquer regra do Scrum pode ser alterada. O bom senso deve prevalecer e os times são estimulados a adaptar o processo, sempre buscando sua melhoria;
- Melhoria contínua: No Scrum, a melhoria contínua é explicitada pela reunião de retrospectivas, além de ser estimulada a cada reunião diária;
- Certificação: Seria injusto afirmar que o mercado de certificações é o responsável pelo sucesso do Scrum, pois não temos como medir quantas pessoas procuram o treinamento apenas pelas "três letrinhas"; mas é fato que também contribuiu para o sucesso.
Acredito que o motivo seja porque o Scrum é simples, alcança resultados palpáveis no curto prazo e permite que sejam aplicadas outras técnicas de acordo com a área de atuação da empresa. Outras técnicas Agile como DSDM e algumas da família Crystal são muito prescritivas em termos de gerenciamento de projetos, o que provavelmente impede sua popularização mais ampla.
O Scrum talvez seja o único método ágil que possui entidades por trás dele: Scrum Alliance e Scrum.org. Além disso, teve um investimento pesado em um modelo de certificação, que mesmo com toda a polêmica e discussão sobre o seu valor e o que isso representa na experiência de um profissional, fez com que o Scrum se tornasse conhecido. Além disso, creio que a simplicidade do framework tenha ajudado a divulgá-lo da forma que ocorreu. Então não acho que houve certo e errado, mas sim uma questão de maturidade do próprio aprendizado sobre métodos ágeis.
Acho que a razão para o sucesso vem da forma como o Scrum chegou às organizações, e um pouco pelas certificações que apareceram, que, na minha opinião, não deveriam ser o diferencial na hora de contratação, mas acabam sendo muitas vezes. Uma vantagem é o foco tático do Scrum. O Extreme Programming poderia ser empacotado de várias formas, mas na essência tem foco nos desenvolvedores. Apesar de possuir disciplinas focadas na equipe e na organização, acaba prevalecendo o foco original em desenvolvimento.
Agora, acho que nos dias de hoje, o XP voltou a ganhar força, assim como o Lean. O Scrum funciona muito bem para gerar mais visibilidade dos problemas que um time encontra, e funciona por muito tempo para buscar entender o comportamento base de uma equipe. A partir daí, equipes e empresas vão buscar formas de melhorar continuamente, olhando aspectos na engenharia de software (XP) e também aspectos estratégicos (Lean).
Parafraseando Dan North, a ironia de que Scrum se tornou sinônimo de Agile no mercado é que, no fim das contas, processos e ferramentas prevaleceram sobre pessoas e iterações. De qualquer forma, do ponto de vista técnico, o forte apelo do Scrum está na simplicidade do seu conjunto de práticas, que trazem na essência um modelo prático para se instaurar ciclos de produção baseados em feedback contínuo. Ou seja, há uma receita simples. Por outro lado, do ponto de vista comercial, através do Scrum tornou-se palatável a construção de um argumento de venda forte, o que viabilizou sua adoção pelo mercado.
Sem tirar os méritos do framework do Scrum, acho que boa parte do sucesso do Scrum tem relação com o modelo de negócios mantido pela Scrum Alliance. Há consultores e coaches, com competência de evangelização, usando linguagem acessível para as pessoas do negócio, que decidem. Falar sobre Scrum é mais acessível para os que estão iniciando agora; falar em reuniões de planejamento, acompanhamento diário e feedback é mais fácil que falar com propriedade sobre refatoração, TDD e integração contínua.
A Scrum Alliance criou uma estrutura comprometida em divulgar e evangelizar o Scrum, originando disso uma grade de cursos diferenciada das que existiam até então no mercado. Além disso, o Scrum é um framework que ajudou muitas empresas a entregarem produtos no "time-to-market" que a internet requer. Trouxe um dinamismo ao negócio e, ao mesmo tempo, não radicalizou ao extremo como é o caso do XP, que requer uma mudança maior ainda de paradigma em ambientes corporativos. Mas, não que eu seja contra o XP; pelo contrário, acredito que o Scrum sem as técnicas do Extreme Programming gera mais código de má qualidade. Um grande trunfo do Scrum foi também a simplificação dos papéis em apenas três: Product Owner, ScrumMaster e time. E sem dúvida a Scrum Alliance ajudou a propagar o Scrum.
O Scrum é a menos prescritiva das metodologias e técnicas ágeis e captura a essência de todas elas: o desenvolvimento iterativo e incremental. Sendo assim, é mais fácil de vender e de implantar em conjunto com outras técnicas, o que a torna adequada para um grande conjunto de organizações. Além disso, é uma boa resposta para o gerente inescrupuloso que só quer ter uma resposta para "Qual processo você usa?", uma vez que chamar a sua gambiarra de "XP" vem colando cada vez menos.
O Scrum teve grande mérito nesse processo de disseminação da cultura ágil, pois a abordagem focada em gestão do método deu um tom mais palatável dos valores e técnicas ágeis aos executivos e tomadores de decisões. Outro ponto importante, é o fato de o Scrum contar com uma organização como ScrumAlliance, que soube falar a mesma língua do mercado e gerou com isso respaldo para facilitar o acesso dentro de grandes organizações.