"É melhor estar aproximadamente certo do que precisamente errado". Esta frase, atribuída ao físico Enrico Fermi, traduz bem alguns conceitos que utilizamos ao estimar nosso trabalho. Costuma ser dito que estimativas Ágeis valorizam mais a acurácia do que a precisão. Mas você realmente entende o que esses termos significam?
Encontramos na internet diversas explicações sobre precisão e acurácia, geralmente envolvendo tiros e alvos. Embora interessantes, essas explicações dificilmente podem ser transportadas para o contexto das estimativas Ágeis. Vamos tentar aqui esclarecer de uma forma realmente útil o significado dos termos.
Intervalos de confiança
Ao estimar o tempo que levaremos para realizar um determinado trabalho, não estamos utilizando cálculos avançados nem aplicando conceitos de probabilidade e estatística. Na realidade, construímos essa estimativa através de nossos conhecimentos, bom senso, experiências passadas e informações disponíveis. Para entender melhor o que significam nossas estimativas, no entanto, alguns conceitos mais avançados podem ser úteis.
De forma simplificada, uma estimativa pode ser definida por apenas um valor ou, indo um pouco além, por uma faixa de valores em torno desse valor, chamada de intervalo de confiança (veja a figura abaixo).
Por exemplo, posso estimar que irei levar exatamente quatro dias para ler um livro de 250 páginas, ou que levarei entre 3 e 5 dias. Esse intervalo de confiança é construído de tal forma que existe uma determinada probabilidade de que o valor real estará dentro dele.
Precisão
A precisão de uma estimativa é determinada pelo tamanho do intervalo de confiança utilizado. Quanto menor é o intervalo de confiança, mais precisa será a estimativa; na figura abaixo, a precisão aumenta da esquerda para a direita.
Por exemplo, a estimativa de que uma atividade irá durar exatamente quatro horas é mais precisa que a estimativa de que irá durar entre 3 e 5 horas; e mais precisa ainda que uma de que durará entre 2 e 6 horas.
A precisão independe do valor real; ou seja, as três afirmações acima seriam igualmente verdadeiras se essa atividade, na realidade, durar 4 ou 20 horas.
Acurácia
A acurácia de uma estimativa é definida pela distância do valor real, independentemente do intervalo de confiança utilizado. Quanto menor a diferença entre a estimativa e o valor real verificado posteriormente, maior terá sido a sua acurácia. Na figura abaixo, a acurácia aumenta da esquerda para a direita; os valores reais (obtidos posteriormente) são indicados por círculos.
Imagine, por exemplo, uma atividade para a qual se verificará posteriormente a duração de 4 horas. Uma estimativa de que duraria exatamente 4 horas tem a mesma acurácia de uma estimativa de que duraria 4 horas, mas com um intervalo de confiança entre 3 e 5 horas. Tem também a mesma acurácia de uma estimativa de que duraria 4 horas, mas com intervalo de confiança entre 1 e 7 horas.
Todas essas estimativas têm maior acurácia que uma estimativa de que duraria 5 horas, com um intervalo de confiança entre 4 e 6 horas, ou do que outra estimativa de que duraria exatamente 4,5 horas.
Precisão ou Acurácia?
Abordagens tradicionais para projetos de software se baseiam em um alto grau de precisão em seu planejamento, com datas e durações exatas para o cumprimento de marcadas em cronogramas detalhados.
Sabemos, no entanto, que essas datas e durações estimadas serão quase que certamente erradas, pois a precisão utilizada ignora a realidade de incerteza que permeia os projetos de desenvolvimento de software. Assim podemos afirmar que abordagens tradicionais utilizam estimativas de alta precisão, mas de baixa acurácia.
Se, por exemplo, afirmamos em nosso planejamento que uma determinada funcionalidade ficará pronta no dia 5 de junho, essa é uma estimativa de alta precisão, independentemente da data em que a funcionalidade de fato ficar pronta.
Sabemos, no entanto, que essa estimativa dificilmente traduzirá a realidade. Desse modo, caso a funcionalidade seja concluída apenas no dia 15 de junho, a estimativa terá sido de baixa acurácia. Poderíamos ter estimado que a funcionalidade estaria pronta no mês de junho. Neste caso, a estimativa teria precisão mais baixa, e alta acurácia.
Conclusões
No desenvolvimento ágil, buscamos o máximo de acurácia possível em estimativas, e reconhecemos que, devido à incerteza, a precisão que podemos utilizar é pequena. Quanto maior for a precisão utilizada em nossas estimativas, mais difícil será estarmos próximos do valor real e portanto de obtermos uma boa acurácia.
Assim, podemos afirmar que, dados os nossos conhecimentos e nosso bom-senso, além de experiência e informações disponíveis, devemos buscar em nossas estimativas um nível de precisão que garanta uma alta acurácia.
[O autor agradece ao seu pai, Miguel Armony, que é geoestatístico e o ajudou a formular os conceitos deste artigo.]
Sobre o autor
Rafael Sabbagh (@rsabbagh) é Engenheiro de Computação (1999) e tem um MBA em Gestão Empresarial e Mestrado em Administração, todos na PUC-Rio. Trabalha há vários anos com liderança de projetos de TI e de equipes de desenvolvimento. É Certified Scrum Trainer (CST) e já atuou ou atua como ScrumMaster e Scrum coach, além de ensinar e divulgar o Scrum em palestras, eventos e organizações.