O InfoQ Brasil ouviu Thiago Galbiatti Vespa, desenvolvedor e palestrante frequente em eventos de tecnologia, sobre o desenvolvimento para a TV Digital. Conheça um pouco sobre os padrões da TV Digital, a situação atual das tecnologias e as oportunidades na área para desenvolvedores e empreendedores.
InfoQ Brasil: Como vê hoje a TV Digital no Brasil? Estamos distantes do países desenvolvidos?
O Brasil tem o melhor sistema de TV Digital aberta do mundo, que se tornou um padrão mundial reconhecido pela União Internacional de Telecomunicações (ITU-T). O padrão nacional é baseado no modelo japonês, mas com várias melhorias, como a substituição do MPEG-2 pelo MPEG-4 (que tem o dobro de frame quadros exibidos por segundo), além do suporte a múltiplos dispositivos. E o padrão brasileiro está sendo adotado por outros países; ou seja, se estamos distantes, é porque estamos à frente!
InfoQ Brasil: Como você se envolveu com o desenvolvimento para TV Digital?
Meu envolvimento com TV Digital iniciou em 2005, quando comecei a explorar a transmissão de vídeo e áudio utilizando o Java Media Framework (JMF), hoje usado no Blu-ray. Fiz um protótipo de aplicativo para edição de Stop Motion e captura de imagem e com isso conheci várias novas tecnologias relacionadas. No início de 2007, ingressei no grupo Blu-dahlia e, com o auxílio do projeto HD Cookbook, comecei a desenvolver aplicativos para Blu-ray. Fiz alguns trabalhos para estúdios de autoração de Blu-ray e sou sócio da primeira empresa brasileira licenciada na Blu-ray Disk Association para desenvolvimento BD-J (Java para disco Blu-ray). Grande parte das tecnologias utilizadas no Blu-ray são as mesmas utilizadas para TV Digital ao redor do mundo. Isso me deixou especialmente interessado no desenvolvimento para TV. Em 2008 foi anunciada a parceria entre a SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital) e a Sun (hoje Oracle), para que se desenvolvesse uma API alternativa ao GEM, uma tecnologia utilizada no Blu-ray em em outros padrões de TV Digital. A partir daí, meu interesse pela área e meu envolvimento com TV Digital não parou de evoluir.
InfoQ Brasil: Poderia dar uma visão geral das tecnologias usadas para o desenvolvimento na TV Digital brasileira?
O padrão de TV Digital brasileiro, conhecido como ISDB-Tb (International System for Digital Broadcast, Terrestrial, Brazilian version) e SBTVD (Sistema Brasileiro de Televisão Digital), envolve várias tecnologias, como o MPEG-4 (H.264) para compressão de vídeo e o HE-AAC v.2 para áudio. O desenvolvimento de aplicações requer o conhecimento do middleware utilizado, nesse caso, o Ginga. É composto por dois subsistemas principais obrigatórios: o Ginga-NCL e o Ginga-J. Iniciar o desenvolvimento de aplicações, utilizando o Ginga-NCL, requer do desenvolvedor habilidades e conhecimentos em XML, NCL e Lua. Já para o Ginga-J, é necessário experiência em programação Java.
InfoQ Brasil: Qual a diferença entre NCL, Lua e Ginga-J?
O Ginga-NCL foi formulado para desenvolvimento declarativo. Faz parte de um conjunto de configurações em XML, para exibição de conteúdo e manipulação de mídias. Por ser declarativo, quando há a necessidade de programação algorítmica, é necessário o uso de outra linguagem. O NCL conta com o Lua para atender a essa necessidade. O Ginga-J utiliza Java. Comparativamente ao Lua, interpretada, o Java é muito mais rápido, como pode ser visto no comparativo Computer Language Benchmarks Game.
Quando temos aplicações simples, é interessante o uso do NCL/Lua. Já para aplicações mais robustas e que requerem mais segurança, eu indicaria o Java. É claro que, para tomar essa decisão, deve-se também levar em consideração a equipe envolvida. Isso porque o aprendizado de NCL/Lua, do zero, é mais rápido que o de Java. Ainda assim, acredito que todo bom desenvolvedor de TV Digital deve conhecer NCL, Lua e Java. E deve saber utilizar recurso mais adequado, de acordo com o projeto.
InfoQ Brasil: Como funciona a interatividade na TV Digital? Estamos perto dos limites dos equipamentos disponíveis no Brasil?
Já existem várias emissoras transmitindo conteúdo interativo no Brasil. Ao assistir um programa de televisão utilizando um receptor com o Ginga instalado, percebe-se que as emissoras exibem um ícone de interatividade, que pode ser acessado normalmente pelo botão vermelho do aparelho. Infelizmente, ainda estamos bem longe dos limites dos equipamentos. Mas estamos evoluindo. Hoje já temos suporte à segunda tela (transmissão de informações da TV para tablets e celulares), bem como vários aplicativos. A Rede Globo já possuí mais de 20 aplicativos de TV Digital; o SBT tem um portal interativo com informações, fotos, loja virtual e previsão do tempo para sua programação, e a Rede Record tem aplicativos para todos os seus programas principais.
InfoQ Brasil: Quais são as vantagens e desvantagens do padrão brasileiro com relação às Smart TVs?
O padrão brasileiro tem como foco a TV Aberta. O enfoque e o conteúdo das Smart TVs é diferente. A vantagem da Smart TV está na quantidade de conteúdos disponibilizados online. Já uma vantagem do padrão brasileiro em relação à Smart TV é que o aplicativo feito para o padrão brasileiro tem acesso ao guia de programação eletrônico (EPG). Além disso, as aplicações podem ser sincronizadas com o conteúdo sendo exibido. Por outro lado, não é tão simples fazer o mesmo com as Smart TVs. Outra desvantagem da Smart TV é que normalmente o usuário deve estar conectado à Internet para receber o conteúdo. Já no padrão brasileiro, as informações chegam através da transmissão da TV Aberta, utilizando o carrossel de dados. O telespectador só precisa ter uma antena de recepção de sinal digital para receber o conteúdo.
InfoQ Brasil: Como se pode iniciar o desenvolvimento para TV Digital? E como ganhar dinheiro com isso?
Para começar, recomendo participar de grupos de discussão e fóruns. Temos a lista de discussão sobre TV digital do SouJava, os grupos Desenvolvimento para TV digital e Interatividade e Usabilidade para TV Digital no Google, o Java Noroeste, e o fórum do AstroDevNet. Há também o site do Ginga e o Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre. Para ganhar dinheiro, você pode vender seu aplicativo a uma agência de publicidade de TV, a emissoras ou afiliadas da sua região (já que o programa pode ser regional), ou distribuir seu aplicativo em uma loja online como o StickerCenter da TQTVD.
InfoQ Brasil: Como você vê o futuro da TV Digital no Brasil? E no mundo?
No futuro muito próximo, imagino que teremos um misto de TV conectada com TV aberta, e com cada vez mais interatividade, redes sociais e sincronização de conteúdo com dados na internet. Esse tipo de cenário já está começando a ocorrer no Brasil (e no mundo), Tenho a certeza de que no futuro essa tendência será acentuada.
InfoQ Brasil: Há alguma outra informação que você gostaria de nos passar?
Estamos no melhor momento para o desenvolvimento de conteúdo e aplicações para TV Digital. Há poucas pessoas envolvidas com o desenvolvimento de aplicações e toda a tecnologia já está à nossa disposição. Aproveitem os bons ventos!