Frente aos recalls da Toyota muito se comenta, discute e sugestiona-se. Mas o que é verdade nisso tudo? O que aprender com tudo isso?
A grande verdade é que estamos num mundo capitalista e todos querem estar no topo. Numa posição de destaque. Ter esforço e trabalho reconhecido por todos. Mostrar que somos valor a agregar. Com a Toyota não foi diferente.
A busca de um melhor lugar ao sol num nicho de mercado dominado pelas gigantes e poderosas corporações automobilísticas isso não é fácil.Nessa busca a Toyota foi uma exímia desenvolvedora e arquiteta de sistemas:
- Soube usar herança – idéias de Henry Ford devidamente especializadas;
- Optou por composições inteligentes – máquinas, pessoas;
- Utilizou-se de frameworks pré-existentes – por exemplo, CEP (Controle Estatístico de Processos), etc;
- Soube escolher e criar as ferramentas certas através de um trade-off cuidadoso e requintado: Heijunka, Andon (essa desde os tempos dos teares mecânicos), Kanbans (existe mais de um);
- Fez testes unitários, de sistema, de aceite;
- Programa para interfaces – é fácil adaptar a linha para novos modelos de carro;
- Faz as entidades e classes se comunicarem – todo mundo se ajuda;
- Soube ouvir as necessidades dos seus clientes;
- disseminou conhecimento – há livros do Sistema Toyota de Produção escritos por pessoas da Toyota;
O resultado desse processo sob a batuta de Taiichi Ohno, da família Toyoda e de seus colaboradores foi aquilo que John Krafcik (ex-funcionário da NUMMI – New United Motor Manufacturing e atual presidente para a América do Norte da Hyundai – vide brilhante POST) denominou Lean, mas que internamente continua sendo o bom e velho Sistema de Produção da Toyota. Esse sistema, metodologia, método, processo, conjunto de práticas ou de forma correta FILOSOFIA tem valores semelhantes e desafiadores como o nosso popular Manifesto Ágil:
- Buscamos responder a mudanças. A Toyota busca realizar trocas rápidas de peças e equipamentos;
- Buscamos ouvir os clientes. A Toyota também ouve seus clientes antes, durante e depois da concepção e entrega de seus produtos;
- Buscamos produtos funcionando ao invés da grande documentação. A Toyota busca a qualidade de seus produtos com muito afinco e para a linha de produção a qualquer momento que é detectada uma falha;
- Buscamos interação entre os indivíduos para disseminar conhecimento. Reuniões diárias da Toyota, em linha de produção ou não.
Pude conhecer e viver um pouco do ambiente Lean no período que permaneci alocado na Embraer. Tal como o Agile, o Lean incomoda, choca, perturba, faz ver, provoca atitude e consequentemente traz resultados.
Fazendo um rápido parêntese, não pretendo entrar no mérito conceitual metodologia x processos x método. O objetivo maior é relembrar o que a comunidade tem dito e repetido e que garanto a todos que vale para o Lean: Andon, Yokoten , Kaizen, Kanban, Hoshin Kanri, Heijunka, Poka Yoke, Just in Time, etc – são ferramentas que representam conceitos da filosofia e que podem ser utilizadas de forma isolada independentemente da filosofia e da organização.
Seguir a Filosofia Lean trouxe e traz benefícios, muitas empresas aprenderam (entenda-se atingiram resultados financeiros e de credibilidade junto ao mercado – às vezes até superiores aos que algumas consultorias especializadas almejam) com a Toyota. Empresas estas de todos os setores da economia sejam elas de manufatura ou não.
Nesse ‘aprendizado de Lean’ reside outra causa dos recalls da Toyota, e a causa raiz de alguns fracassos de projetos não ágeis. Explico. Tal como no nosso meio, vemos pessoas trocando de emprego em busca de melhores salários, na Toyota isso tem ocorrido, dificultando a formação e disseminação da cultura em todos os locais que a Toyota possui fábricas. Nos primórdios a Toyota sequer ministrava treinamentos em ppt. A escassez de profissionais e a rápida expansão dos seus negócios a fez utilizar e padronizar treinamentos em ppt, indo contra a idéia de sempre treinar pessoas em loco, vendo e se envolvendo de fato com ferramentas e processos.
Isso tudo remete ao que Akio Toyoda, presidente mundial da Toyota, disse ao se referir ao “back to basics”. Ou seja, tanto a Toyota como todas as organizações e pessoas tem princípios e valores. A fuga, mesmo que momentânea, destes princípios traz conseqüências trágicas. A recuperação depende do poder de reação e reavivamento destes valores.
Lições que devem ser aprendidas com a crise da Toyota
- Não há bala da prata. Só o trabalho - O único processo, método, metodologia, receita de bolo infalível é o trabalho e o comprometimento de todos da organização, seja da linha de montagem, seja do desenvolvimento, seja da direção, seja de atividades de apoio como RH, Compras, Contas a Pagar, etc. Outra versão para esta lição é “Milagres não existem. Eles são construídos pela competência das pessoas”.
- Não combater apenas os grandes desperdícios. Os pequenos desperdícios ao longo do tempo fazem uma grande diferença. Será que aquele documento de Visão de apenas uma página realmente agrega valor?
- Definitivamente, pequenas falhas causam grandes prejuízos;
- Seguir valores e filosofia adotada pela empresa. Mudanças nisso devem ser cuidadosamente trabalhadas para que agreguem-se ao dia-a-dia de todos. Os 8 passos para Mudança de John Kotter pode ser uma abordagem.. Que tal ler o livro "Nosso iceberg está derretendo" de John Kotter e Holger Rathgeber – é simples, muito direto e não toma mais do que uma hora do nosso precioso tempo;
- Assumir erros não significa ser ‘bonzinho’, é ser transparente. Os erros têm um preço e esse preço não deve ser medido em dólares ou euros e sim em aprendizado. Na filosofia Lean, não se comete erros. Geram-se oportunidades para melhoria. Que tal colocar num mindmap ou num wiki aquele erro difícil de resolver, que consumiu muitas e muitas horas de esforço que fez todo o time navegar por diversas áreas do conhecimento até chegar a resposta ? Que tal seguir o exemplo da Caelum e de outras empresas que além de agregar esse valor ao time compartilham com a comunidade?
- Tratar bem as pessoas, preocupando inclusive com a comunidade que a cerca não é garantia total de que a pessoa / profissional permanecerá na organização. Mas tentar colabora para a qualidade, maturidade dos processos e da organização.
Vejo a crise da Toyota como um momento de ouro para fazermos um hansei (reflexão) de nossos valores. Exteriorizar a visão sobre aquilo que temos feito e onde pretendemos chegar. Não imagino que esse ocorrido abale a filosofia Lean e também acredito piamente que a Toyota vá se recuperar e que nossos filhos (ou nós mesmos) lerão e-books contando passo-a-passo como foi essa recuperação.
Veja também o post "Problemas recentes na Toyota podem atrapalhar o Lean?".