Em uma interessante análise no site Ars Technica, Ron Amadeo argumenta que o Google está progressivamente alterando o rumo do Android para um modelo de código fechado. A estratégia do Google visa fazer o Android adequado para ser livremente personalizado e utilizado "para pequenos passatempos", mas ao mesmo tempo dificulta as escolhas para "qualquer pessoa que tente utilizar o Android sem a benção do Google".
De acordo com Ron Amadeo, a estratégia do Google com o Android mudou desde seu estágio inicial. No começo, o Google tinha como objetivo fornecer uma plataforma móvel completa e de código aberto, com todos os serviços e aplicativos necessários para que a plataforma fosse útil e competitiva no mercado móvel. Esta abordagem atingiu seus objetivos com um grande número de fabricantes adotando o Android Open Source Plataform (AOSP).
Em uma segunda fase, continua Ron Amadeo, após o Android dominar a plataforma móvel, o Google parou de desenvolver ativamente algumas partes do AOSP incluindo aplicativos de busca, música e calendário. O artigo no site Ars Technica detalha como esses aplicativos inicialmente de código abeto, foram melhorados, rebatizados e publicados na Play Store como aplicativos de código fechado. "Apesar de não poder se destruir um aplicativo de código aberto, é possível abandoná-lo movendo todo o desenvolvimento para um modelo fechado", de acordo com Amadeo. Também vale mencionar que, depois que o artigo no Ars Technica foi escrito, o Chrome também foi removido do Android 4.4.
Um outro pilar da estratégia do Google para o Android tem como alvo aumentar a dependência dos fabricantes através do Open Handset Alliance (OHA), em que os membros "são contratualmente proibidos de desenvolver dispositivos que não sejam aprovados pelo Google". Isso significa que qualquer OEM tentando construir um telefone móvel baseado em um fork do Android incompatível, perderá os seus direitos dentro da OHA, ou seja, a possibilidade de usar o Google Apps em qualquer outro produto que eles desenvolvam. Esta obrigação contratual foi invocada pelo Google contra a Acer quando a empresa tentou lançar um celular com o sistema operacional Aliyun, um fork do Android chinês baseado na nuvem. Uma observação mais famosa de Amadeo diz que "nenhum grande OEM está autorizado a fabricar o Kindle Fire da Amazon" se quiser permanecer na família Android.
O terceiro pilar da estratégia do Google, conforme descrito no artigo Ars Technica, é criar dependências nos aplicativos de terceiros para suas APIs de nuvem como: o Google Maps, notificações push, localização, compras dentro dos aplicativos e jogos. Essas APIs não fazem parte da AOSP e não estão disponíveis em dispositivos não aprovados pelo Google. Em resumo, de acordo com Amadeo:
A estratégia do Google com o Google Play Services é transformar o "ecossistema de aplicativos Android" no "ecossistema Google Play", tornando a vida do desenvolvedor o mais fácil possível no dispositivo aprovado pelo Google - e o mais difícil quanto possível no dispositivo não aprovado pelo Google.
Alguns comentários do artigo destacam que:
- A estratégia do Google "está desfragmentando o Android [...] o Google está fazendo isso porque eles tem que fazê-lo" (idealego);
- "Do ponto de vista do usuário, o Google é quem traz valor para os dispositivos Android e os fazem úteis…" (batmanuel), "É totalmente justificável o Google ser rígido nestes temas." (karlsvec);
- "Mesmo com todos os indícios do Android se transformando em código fechado, a base do Android ainda é de código aberto" (walkop).
Por outro lado, os comentaristas também destacam que:
- "A visão do Departamento de Relações Públicas do Google sobre um 'Android de código aberto' é, essencialmente, uma mentira" (dbright);
- Esta estratégia, especificamente as obrigações OHA, poderiam acabar com a inovação das startups na área de mobilidade (ChrisSD).
No momento da redação desta notícia, o comentário mais votado é um comparando a estratégia do Google com a estratégia da Microsoft "Abraçar, Estender, Extinguir". (Paul Rodgers)
A discussão foi além da análise do Ars Technica. Em um debate no site Android Authority, Robert Triggs diz que Google "precisa da produção de software e serviços proprietários. É impossível o Google abrir todo o seu software para a comunidade de código aberto". Adam Koueider observa que o fato do Google ganhar mais controle sobre o Android é uma coisa boa para os usuários, uma vez que "não se pode ter uma torta que está sendo puxada em 14 direções completamente diferentes." Uma pesquisa realizada no site Android Authority mostra que 72% dos entrevistados acreditam que o aumento do controle do Google é bom para os usuários, enquanto 13% acreditam que será eventualmente ruim.
Stijn Schuermans resume no post "O Android nu" a estratégia do Google a respeito de seu conjunto de APIs proprietárias:
Foi criado um fork (copia para um desenvolvimento paralelo) do sistema operacional pela Amazon e por vários fabricantes de aparelhos móveis da Ásia. Para piorar, se tornou muito fácil substituir o Google Play por uma loja de aplicativos proprietária ainda usufruindo dos aplicativos Android existentes; muito fácil para substituir os serviços de mapa do Google com alternativas de terceiros (aqui uma menção a Nokia). Até mesmo a marca Android deixou de ser o rei da montanha, sendo eclipsado pela marca Galaxy da Samsung.
De acordo com Schuermans, a resposta do Google tem sido enxugar o Android ao essencial, ao mesmo tempo consolidando as soluções proprietárias Google Play Services e Google Apps.
Uma outra dimensão desse problema é representado pelos OEMs, sua relação com o Google, e como será a reação ao crescente controle do Google sobre o Android.
No contexto de uma investigação sobre um caso de violação de patente, o Verge Nilay Patel reportou sobre as práticas do Google com OEMs, afirmando que existem provas do Google "utilizar a compatibilidade como um clube para fazer os OEMs fazerem o que o ele quer", e os OEMs tinham conhecimento disso; além disso, o Google teria "um papel importante no desenvolvimento de dispositivos Android, até o ponto no qual o próprio Andy Rubin aprova e nega pedidos de OEMs".
Com a Samsung vendendo aproximadamente 63% de todos os aparelhos móveis e com cinco modelos Samsung entre os 10 mais bem sucedidos dispositivos móveis (dados da Localytics), é fácil entender porque não controlar seu próprio software está se tornando um limite a ser quebrado pela Samsung e porque a empresa sul coreana está tentando dar mais relevância para o seu sistema operacional Tizen, de acordo com uma notícia da empresa Associated Press.
Parmy Olson, escrevendo para a Forbes, também estabelece uma relação entre os últimos esforços feitos pela Samsung, a fim de obter uma comunidade de desenvolvedores mais engajada, com sua crescente plataforma de software e o controle cada vez maior do Google sobre o Android. Também observa que "o crescimento futuro depende de manter os clientes fiéis por meio de serviços de software exclusivos".