É fácil criar uma interface que convença os usuários a algo que seja do interesse da empresa. A pergunta que a comunidade de design precisa fazer com mais frequência, é se devemos cumprir tais práticas, argumentaram Agnieszka Urbańska e Ewelina Skłodowska, UX designers, na ACE! 2019. Os padrões enganosos (Dark patterns), e até mesmo o design inconscientemente preconceituoso, contradizem a empatia e são incompatíveis com o design centrado no ser humano. A maioria dos KPIs (indicadores de performance) depende do engajamento viciante dos usuários e da estratégia agressiva de UX, mas os designers devem ter cuidado para que os objetivos de negócios de seus clientes não sejam contrários aos princípios da ética, disseram elas.
O mundo está gradualmente se tornando dependente de novas tecnologias, o que torna os designers mais responsáveis, disse Urbańska. Os designers devem estar cientes de que os produtos e aplicativos que criam são usados por milhões de pessoas e que seu trabalho tem um impacto real na vida dos outros. Ela citou o Homem Aranha: "Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades". Cada decisão de projeto contém uma parte de nós mesmos, reflete como percebemos o mundo e como lemos as emoções e sentimentos dos outros, disse ela.
Skłodowska mencionou que parte do trabalho de um designer é evangelizar a empresa, mostrando as vantagens da pesquisa de usuários ou das melhores práticas de design. Se fizer de forma correta, isso pode levar à criação de um produto que tem o poder de realmente mudar o comportamento humano, disse ela. Não reivindicar a responsabilidade pelas questões éticas do produto que está projetando pode ter um efeito negativo sobre as pessoas, argumentou Skłodowska. O mínimo que podemos fazer como designers é responder a perguntas "Como podemos ...?" com "Como isso afetará ...?"
Na ACE! 2019 Skłodowska e Urbańska falaram sobre sua luta contra os dark patterns. Ao usar a Internet, o usuário não lê todas as palavras em cada página. Se uma empresa deseja persuadir os usuários a fazer algo que seja do interesse dela, não é tão difícil. Elas simplesmente tiram proveito dos hábitos dos usuários e usam o design visual para enganá-los, criando um visual mais proeminente, mais tentador de clicar, maior, ou mais colorido.
Poderíamos colocar o botão em uma área da tela que sabemos que o usuário vai olhar quando estiver no site, disse Skłodowska. A pergunta que devemos fazer é se devemos fazer algo com esse botão. As empresas tendem a colocar a responsabilidade pelas interações dos usuários com o aplicativo ou site nos próprios usuários. Isso não está certo, ela argumentou.
Skłodowska afirmou que os usuários não devem ser forçados a encontrar maneiras de se defender de janelas de notificações ou dark patterns. Para começar, eles não devem ser colocados nessa posição. Isso é como focar na importância de as mulheres levarem spray de pimenta consigo a todo tempo, em vez de lidar com a razão pela qual precisaram fazer isso, por que se sentem ameaçadas, disse ela.
Os dark patterns estão em conflito direto com os conceitos em que acreditamos como designers: eles contradizem o conceito de empatia e são incompatíveis com o processo de design centrado no ser humano, argumentou Urbańska. Ela sugeriu que os designers deveriam estar atentos, prestar atenção aos objetivos de negócios de seus clientes, certificando-se de que eles não sejam contrários aos princípios da ética. Acontece que, às vezes, a pressão dos clientes para usar más práticas é muito forte, mas, nesse momento, devemos explicar e instruí-los sobre o motivo pelo qual o uso dessas práticas é prejudicial para os usuários e também para os negócios em um contexto de longo prazo, disse Urbańska.
O Infoq conversou com Agnieszka Urbańska, UX designer na Isobar Poland, e Ewelina Skłodowska, UX designer na El Passion.
InfoQ: Como podemos projetar produtos para diversidade e inclusão?
Ewelina Skłodowska: Acho que primeiro e mais importante é não causar danos aos usuários quando criamos um design. Somente quando nos certificamos de que esse padrão foi alcançado, outras questões podem seguir.
Existem muitas ferramentas de UX que podemos aplicar para ajudar a entender todos os nossos usuários, e não apenas o tipo mais comum. Uma das mais populares é o uso de personas. São semelhantes aos currículos e destinam-se a ajudar as equipes de produtos a compreender e ter empatia com os diferentes tipos de clientes.
Sara Wachter-Boettcher, no livro Technically Wrong: Sexist Apps, Biased Algorithms, and Other Threats of Toxic Tech (Tecnicamente errado: Aplicativos sexistas, algoritmos tendenciosos, e outras ameaças da tecnologia tóxica) escreve sobre sua experiência em trabalhar com personas de usuários com diretores de marketing de alto escalão. Tentando ser mais inclusiva e atendendo a diferentes necessidades dos usuários, ela usou uma foto de uma mulher negra como persona de um executivo financeiro. Parece que seus clientes não imaginavam que seja esse o caso. Para eles, um executivo financeiro era um homem branco de meia-idade. Eles só estavam olhando para isso de uma perspectiva demográfica. Quando você faz isso, geralmente significa que quer criar algo que se adapte a todos. Mas algo que se adapta a todos na realidade não serve para ninguém. O que Sara fez nessa situação? Ela cortou as fotos, deixando todos os outros aspectos da persona intactos. E funcionou!
Portanto, ao criar personas, pense em uma outra que talvez não esteja alinhada com a imagem que o cliente tem em mente. Trate as exceções com a mesma atenção que os chamados usuários normais. Faça sua pesquisa. Descubra quem realmente usa o produto que você está criando. As descobertas podem surpreendê-lo.
Agnieszka Urbańska: Criar uma forma simples ou criar uma nova realidade no mundo virtual pode nos dar a oportunidade de superar estereótipos e equívocos prejudiciais. Por exemplo, em vez de perguntar o sexo do usuário, e dar apenas duas respostas possíveis, masculino ou feminino, pode permitir que o usuário personalize o gênero.
Outra coisa que um designer pode fazer é começar a implementar os emojis com diferentes tons de pele ou diferentes orientações sexuais. Nosso papel é criar personas sem suposições e sem usar informações estereotipadas sobre o público. Pequenas mudanças em nossa percepção do mundo e abertura à diversidade podem até trazer mudanças sociais.
InfoQ: Você acha que o design pode realmente combater o racismo, a discriminação, os preconceitos, ou até mesmo a mudança climática?
Urbańska: Quando conversei com meus amigos que também são UX designers, eles se mostraram céticos sobre o papel do designer para combater o racismo ou a discriminação. Mas o design não pode ser apenas acidental. Nosso trabalho tem um impacto na vida das pessoas. Existem muitos exemplos de boas e más práticas que provam que realmente podemos começar a mudar o mundo com o nosso trabalho.
Um bom exemplo da luta contra o racismo ou o preconceito é, por exemplo, o uso de uma variedade de emojis (o Facebook provavelmente iniciou essa prática) que têm diferentes cores de pele ou mostram diferentes orientações sexuais..
Skłodowska: Chame de efeito borboleta. Não acho que apenas designers possam parar a mudança climática ou a discriminação. Mas, nunca se sabe o que vai acontecer quando o produto que você está projetando é lançado. Como ele vai evoluir e mudar a vida das pessoas? Você acha que os designers do Uber estavam pensando em como o produto deles mudaria completamente o modo como as pessoas se moviam pela cidade? E, você acha que eles imaginaram o impacto para o grupo de taxistas da velha escola?
Eu participei recentemente de uma conferência em que vi uma demonstração de um bot que você poderia implementar na seção de comentários ou fórum do seu website. O bot reagiria à linguagem prejudicial e interviria de uma forma que ajudaria as pessoas a falarem umas com as outras com mais empatia. Fiquei impressionada com o fato de que realmente funcionou! Os comentários ofensivos diminuiram e as pessoas tentaram encontrar um terreno comum.
InfoQ: Como os designers podem refletir sobre como fazem seu trabalho e melhoram sua maneira de trabalhar?
Urbańska: Os designers devem perceber que eles têm uma influência real sobre as ações de seus clientes, estratégias de produtos, e decisões tomadas nas organizações. É claro que é preciso muito esforço para construir um sistema ético de valores, mas graças a isso podemos nos tornar melhores designers e também pessoas melhores.
Skłodowska: Eu usaria uma checklist.
Há algumas perguntas que você precisa responder para saber se você está no caminho certo:
- Seu design muda a maneira como as pessoas interagem para melhor?
- O design tem como objetivo manter os usuários perdendo um tempo que eles não pretendiam?
- O design facilita o acesso a itens socialmente inaceitáveis ou ilegais aos quais seus usuários não teriam acesso fácil?
- Você ficaria confortável com alguém usando seu design em você?
- Seu design usa engano, manipulação, deturpação, ameaças, coerção, ou outras técnicas desonestas?
- Seu design contém algum preconceito incorporado (gênero, político, ou outro)?
- Seu design protege a privacidade dos usuários e dá a eles controle sobre suas configurações?
Essas não são perguntas fáceis de responder. Mas o fato de você estar tentando fazer isso já é uma pequena vitória.