O que fazer se desejamos alcançar um novo grupo de usuários com necessidades complexas que precisam ser conhecidas em pouco tempo? Durante o Agile Business Day 2019, Stephanie Gasche compartilhou sua experiência onde, mesmo sem apoio financeiro, criou uma plataforma online de integração de refugiados e solicitantes de asilo. Para tal, utilizou métodos do Lean Startup.
Gasche iniciou a plataforma de integração "Eu sou Refugiado" no início de 2017, quando percebeu que não havia um único local de atendimento que oferecesse uma visão holística e não política para integração na Áustria para um refugiado ou solicitante de asilo.
Todas as pessoas que desejam viver na Áustria e ser um membro ativo da sociedade, indiferente se são solicitantes de asilo político, refugiados, expatriados ou imigrantes, devem o quanto antes, receber os serviços digitais do site Was Wie Warum in Österreich (Eu sou Refugiado) para se preparar melhor para a vida no país. Graças a todas as informações encontradas no site, no aplicativo e nas mídias sociais, a longo prazo todos podem ter as mesmas chances de sucesso pessoal que alguém que nasceu na Áustria e, portanto, automaticamente fazer parte do sistema como um todo.
De 2012 a 2015, Gasche trabalhou como consultora de gerenciamento na área ágil, ajudando equipes Scrum, gerências e organizações a fazerem a transição para a metodologia ágil. Gasche mencionou que o Lean Startup faz muito sentido em um ambiente complexo, pois os principais aspectos são orientação ao cliente, feedback rápido, aprendizado e aprimoramento contínuos, visualização, entregas pequenas, produção puxada e espírito de equipe interdisciplinar. Considerando que a integração de refugiados e solicitantes de asilo é um campo altamente complexo, essa foi a única abordagem possível para o "Eu sou Refugiado".
O uso dos métodos de Lean Startup, como o ciclo de feedback Construir-Avaliar-Aprender, por exemplo, foi ideal para progredir rapidamente e ver como o mercado reagiu, disse Gasche. Existem duas diferenças principais da iniciativa "Eu sou refugiado" em comparação a organizações com fins lucrativos: Primeiro, os refugiados são um grupo de usuários completamente novos no mundo digital e segundo, não havia financiamento.
Não havia estudos em nenhum lugar do mundo. Afinal, não há um perfil específico para saber sobre "o refugiado". "São diversos tipos de seres humanos com origens e culturas diferentes, com necessidades distintas, apesar de semelhantes", disse Gasche.
Quanto à falta de financiamento, a integração tem sido um problema real na Áustria. Gasche disse que "tivemos que agir rapidamente e mal podíamos esperar para escrever um plano de negócios e apresentá-lo a uma agência de financiamento do governo, discutir e fazer melhorias, para então talvez receber o dinheiro e iniciar o projeto um ano depois". Tiveram que agir rapidamente, obter feedback rápido para saber se haviam atingido uma necessidade real e, baseados nisso, desenvolver o projeto. Os métodos ágil e Lean eram os ideais para a tarefa, disse Gasche.
A maior diferença entre aplicar o Agile numa organização sem fins lucrativos e numa organização comercial, é a separação de clientes e usuários. Gashe explicou:
Se separarmos nossos principais stakeholders em clientes que pagam as contas e usuários que realmente usam nossos serviços digitais, precisamos estar cientes de que, no setor sem fins lucrativos, os interesses dos dois geralmente não são os mesmos. Portanto, se observarmos o Lean Startup e o ciclo de feedback e como uma startup deve pivotar ao descobrir novas informações sobre o mercado e os usuários, teríamos tido que mudar de direção há muito tempo.
Por quê? Pois o governo, as prefeituras e também os fundos das fundações privadas, dos quais depende grande parte do setor sem fins lucrativos, financiaram diferentes tipos de projetos de integração. Eles apoiaram iniciativas que ajudariam os refugiados a encontrar trabalho, um apartamento ou aulas de alemão. Esses são projetos e iniciativas muito valiosos, porém, já existiam grandes iniciativas pelo país.
O problema real era que os refugiados e os solicitantes de asilo, não conheciam essas iniciativas, simplesmente por não haver uma única fonte de integração que fizesse a ponte entre as ofertas e os necessitados. Essa é a lacuna que foi preenchida com o Was Wie Warum in Österreich - Eu sou Refugiado. E como não estávamos dispostos a mudar de direção, pois vimos e sentimos a necessidade do público alvo, não recebemos nenhum financiamento.
Como a iniciativa é completamente baseada no trabalho voluntário, os três elementos para motivação intrínseca identificados por Dan Pink, objetivo, autonomia e domínio, são ainda mais verdadeiros, disse Gasche. Seus amigos ajudaram bastante nas iterações curtas, no entanto, as pessoas que se voluntariaram porque acreditaram no objetivo, sentiram que poderiam experimentar algo novo e aprender com isto (por exemplo, publicidade no Facebook). Esses estrangeiros se tornaram amigos e permaneceram no time, disse Gasche.
O InfoQ entrevistou Stephanie Gasche após a palestra no Agile Business Day 2019 sobre a iniciativa "Was Wie Warum in Österreich - Eu sou Refugiado".
InfoQ: Como descobriu quais eram os principais problemas que o site iamrefugee.at tinha para fornecer soluções?
Stephanie Gasche: Decidi mudar de emprego no início de 2016, a fim de apoiar o governo austríaco na integração dos refugiados e solicitantes de asilo que haviam chegado à Áustria. Assim, tornei-me a primeira instrutora de integração a ministrar cursos de orientação e valores governamentais na Áustria. Por trabalhar com refugiados todos os dias, percebi onde estavam os verdadeiros problemas e quais eram as necessidades que a população e o governo austríaco não conseguiam atender: precisávamos de um ponto central de integração que estivesse isento dos muitos mal entendidos e desinformações encontrados em grupos do Facebook, por exemplo. Como os refugiados estavam espalhados por toda a Áustria, alguns em locais mais remotos que outros, um serviço digital era o mais coerente.
InfoQ: O que o "Eu sou Refugiado" provê?
Gasche: A plataforma oferece aos usuários a oportunidade de aprender quais são os 9 passos para a integração, por que faz sentido tomá-los e como alguém pode dar esses passos. Isto permite que pessoas novas na Áustria realizem o próprio processo de integração, em vez de serem levadas a executar uma etapa de integração que não faz sentido no caso delas.
Para abranger tantas pessoas dentro do grupo diversificado de "refugiados", usamos visualização, breves vídeos tutoriais de instruções e traduzimos todos os textos do alemão para inglês, árabe e dari farsi. Em 2018, decidimos mudar o nome para "Was Wie Warum in Österreich", pois notamos que o tema da integração possivelmente não era relevante apenas para os refugiados.
InfoQ: Como tem aplicado o Lean Startup e os princípios e práticas do ágil?
Gasche: Além da mentalidade de empoderamento do ágil e da importância da centralização no usuário, em que a plataforma se baseia, também usamos os métodos ágil para nos organizarmos como uma equipe. Usamos o Trello para reunir, visualizar e priorizar as entregas, além de mostrar o progresso do trabalho. A partir daqui, os membros da equipe realizam as tarefas de acordo com a disponibilidade e interesse. Costumávamos fazer iterações de um mês com a reunião de planejamento, revisão e retrospectivas. No entanto, agora nos adaptamos ao coworking, comunicação via WhatsApp e Show / Tells.
InfoQ: Quais benefícios obtiveram e o que aprenderam com o uso do Lean Startup?
Gasche: Foram muitos benefícios. Aprendi bastante sobre a Áustria, vi os bastidores da política, o mundo dos financiamentos por trás das startups. Agora com uma visão geral muito boa dos projetos e iniciativas de integração que acontecem na Áustria, aprendi a trabalhar com uma equipe verdadeiramente intercultural, com intenções diferentes assim como aprendi qual o valor do foco em uma equipe multidisciplinar.
Posso dizer que sempre que nos concentramos em um objetivo (por exemplo, obter financiamento, preparar traduções, etc.) sempre atingimos nossa meta no tempo estipulado, porque encorajamos e nos apoiamos uns aos outros. Este momento foi também o mais divertido! Especialmente ao trabalhar como uma equipe remota.