Uma equipe internacional de pesquisadores de 14 universidades e uma consultora canadense que lançou em março desse ano a pesquisa "Pandemic Programming" (Programação Pandêmica). Enquanto professor do Departamento de Informática do Centro Técnico Científico da PUC-Rio (CTC/PUC-Rio), faço parte da equipe e sou o representante brasileiro do grupo. Direcionada a profissionais de TI de todo o mundo, a pesquisa avaliou o impacto do trabalho remoto imposto devido à pandemia de COVID-19 na produtividade e bem-estar de profissionais da área de software em suas mais diversas áreas (desenvolvimento, requisitos, gestão, design, etc.). Os resultados confirmam estatisticamente que estes profissionais estão experimentando significativa diminuição do bem-estar emocional e da produtividade com a prática de home office decorrente do isolamento imposto pela pandemia.
Lançado em 12 idiomas e contando com respostas de mais de dois mil profissionais de cerca de 50 países, o estudo identificou como os ambientes e situações de trabalho atuais estão afetando os profissionais de software em todos os setores. No estudo, o bem-estar das pessoas se mostrou fortemente relacionado com a produtividade percebida, sendo que a mudança no bem-estar explica 67,5% das mudanças na produtividade percebida.
As hipóteses investigadas no estudo e confirmadas estatisticamente revelam ainda que a falta de preparação para desastres, o medo relacionado à pandemia e a ergonomia do espaço de trabalho doméstico estão agravando a redução do bem-estar e da produtividade desses profissionais. Foi observado também que mulheres, pessoas com crianças pequenas e pessoas com deficiência estão sendo afetadas desproporcionalmente.
Uma visão simplificada do modelo teórico validado a partir da técnica estatística de modelagem de equações estruturais, mostrando a influência entre os fatores pode ser encontrado na figura abaixo.
Com base nos resultados, o grupo faz recomendações práticas para a indústria de software ao gerenciar profissionais que trabalham em casa durante o isolamento social e potencialmente no futuro, para melhorar o bem-estar e a produtividade. As principais recomendações foram:
- Apoiar o bem-estar emocional dos funcionários; isso irá melhorar a produtividade deles.
- Perguntar a funcionários sobre suas necessidades de equipamentos, treinamentos, entre outros aspectos.
- Ajudar na melhoria da ergonomia do espaço de trabalho em casa.
- NÃO esperar produtividade normal durante uma pandemia; isso não é realístico.
- NÃO pressionar funcionários para que sejam produtivos; isso irá piorar a situação.
- NÃO tomar decisões (como desligamentos ou promoções) baseados na produtividade durante a pandemia.
A distribuição da população atingida pela pesquisa ficou em:
- 81% homem, 19% mulher.
- 94% trabalhando em tempo integral.
- Média de idade 30-34 anos.
- A maioria, 53% vive com um adulto, 18% vivem sem outros adultos e o restante vive com duas ou mais pessoas.
- 12,8% informaram ter alguma limitação que afeta seu trabalho.
- Experiência média das pessoas foi de 9,3 anos.
- 58% das pessoas que responderam a pesquisa não tinham nenhuma experiência trabalhando de casa.
- Do total de 2225 respostas válidas, 272 foram do Brasil (12,2%).
O estudo utilizou inicialmente um teste estatístico não paramétrico simples para confirmar que desenvolvedores tiveram pioras no bem-estar e na produtividade. Depois foi proposto um modelo teórico com diversas hipóteses mais detalhadas associadas a trabalhos relacionados ao medo da pandemia, preparação para desastres, ergonomia, bem-estar, e produtividade dentre outros assuntos. Por último, foram aplicadas estatísticas mais elaboradas (modelagem de equações estruturais) para testar as hipóteses. O que mais chama a atenção é a fortíssima relação entre o bem-estar e a produtividade percebida em que a variação em um desses fatores explica em 67,5% a variação no outro.
As seguintes hipóteses foram estatisticamente confirmadas. As duas primeiras pela aplicação direta de testes não paramétricos, comparando o antes e o durante a pandemia, e modelagem por equações estruturais. Essas hipóteses são as que aparecem no modelo teórico construído e validado através da modelagem de equações estruturais. As demais hipóteses foram confirmadas através de modelagem de equações estruturais):
- Hipótese H1: Desenvolvedores terão menos bem-estar desde que trabalham em casa devido à COVID-19.
- Hipótese H2: Desenvolvedores terão menor produtividade percebida desde que trabalham de casa devido ao COVID-19.
- Hipótese H3: Mudanças no bem-estar e mudanças na produtividade percebida estão diretamente relacionadas.
- Hipótese H4: A preparação para desastres está diretamente relacionada à mudança na produtividade percebida.
- Hipótese H5: O medo (da pandemia) está inversamente relacionado à mudança de bem-estar.
- Hipótese H6: A ergonomia do escritório em casa está diretamente relacionada à mudança de bem-estar.
- Hipótese H7: A ergonomia do escritório em casa está diretamente relacionada à mudança na produtividade percebida
- Hipótese H8: A preparação para desastres está inversamente relacionada ao medo da pandemia
A equipe internacional de pesquisadores apresentou os resultados ao periódico científico Empirical Software Engineering e disponibilizou uma versão dos autores para a comunidade no arXiv.